domingo, 27 de abril de 2014

A Tradição da Repetição



A oração pode se tornar uma ajuda. Pode ser usada para a lembrança de si e nos lembrar sobre o sono e a necessidade de despertar.
PD Ouspensky


A repetição foi e ainda é um dos principais pilares espirituais de muitas culturas. Da oração regular em determinados momentos do dia, de beijar ou tocar certos objetos antes de entrar em um templo, para o desempenho regular da celebração ritual e anual dos festivais - a repetição desempenha um papel fundamental em todas as culturas e religiões. Na religião, ela se manifesta particularmente na forma da oração.

Ouve, ó Israel:
O SENHOR é o nosso Deus;
é o único SENHOR.
O Sh'ma

No judaísmo a oração do Sh'ma é a mais fundamentale e diaria das oracões; pode-se dizer que todas as outras orações são construídas em torno dela. Esta oração foi a principal a ferramenta da escola judaica usada para alcançar a consciência e estar presente ao momento. A ferramenta da oração também é vista claramente em outras tradições: a oração cristã ortodoxa do coração (Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim); o mantra sânscrito (Om Mani Padme Hum); o muçulmano Salah (Não há deus além de Deus).


Em contraste com a vida moderna, que oferece uma variedade desconcertante de distrações, as tradições mais antigas se concentram no menos. Seu objetivo é penetrar mais fundo no mundo do espírito, em vez de dispersar a energia nas dez mil sombras do mundo externo. Enquanto repetem a mesma coisa uma e outra vez, os membros destas tradições aprofundam a sua compreensão e a experiência da oração, adquirindo a capacidade de se concentrar em limpar a cacofonia da mente e das emoções, alcançando um lugar de silêncio interior e conexão com o Divino.

Orações curtas, por sua frequente repetição, chegam a fase em que elas vão repetir-se em sua língua, seu pensamento focado em um único ponto—a lembrança de Deus.
Teófano o Recluso


Parar aqui, é claro—apenas fazendo os movimentos da repetição—vai manter a pessoa no nível da ação mecânica. As palavras são apenas palavras, como diz o ditado chinês, e sem o coração, elas não têm nenhum significado. É necessário envolver o coração e manter a atenção no que se está fazendo e porque se está fazendo. Adicionar a si mesmo à cena, observando a si mesmo, cria a lembrança de si.



O resultado de um ou de outro esforço é sempre modificado e controlado pela consciência de seu objetivo, intenções e desejos.
PD Ouspensky


Teófano fala do verdadeiro objetivo da repetição - lembrança de Deus, do ser superior—e é preciso concentrar-se em chegar a esse ponto único e ilimitado. Inicialmente, é difícil se concentrar em uma oração e lembrar-se de si mesmo, ao mesmo tempo. Uma criança que aprende a andar não pode falar simultaneamente; ela tem primeiro de parar de andar e só então pode falar. A prática repetida, no entanto, eventualmente, permite que a criança faça as duas coisas juntas.

A ação repetitiva da oração - com a mente no coração diante de Deus, como diz Teófano - ensina como concentrar-se, como mais e mais vezes transcender o nível das palavras e pensamentos e entrar no nível da presença divina.

Orações curtas, existentes em todas as tradições que nos precederam, têm sido usadas ​​para controlar os pensamentos para o trabalho interno. Temos destacado antes a importância dos ‘eus’ de trabalho - os pensamentos úteis que podem superar os muitos ‘eus’ e dissipar a imaginação. De fato, diferentes tradições combinaram ´eus´ úteis em sequências - curtas orações - como sua principal prática espiritual.



A maioria das orações não têm nada em comum com a petição ... . As orações são, por assim dizer, recapitulações; repetindo-as em voz alta ou para si mesmo o homem se esforça para experimentar o que há nelas, e em todo o seu conteúdo, com sua mente e seu sentimento.
G. I. Gurdjieff

Uma alma desperta deseja deixar o mundo do tempo, o mundo do  sono e entrar no atemporal. As tradições espirituais desenvolveram a arte da repetição em uma tentativa de assegurar que esta transição ocorra com mais frequência e de forma confiável. A repetição dessas ‘cerimônias’ internas, de oração enraizada no coração e ligada ao ritmo da respiração, serve como uma ponte entre o mundo inferior da imaginação para o mundo superior da lembrança de si.


Quando a mente está em um estado brilhante, quando ela abandonou a repetição
e  simplesmente está assentada no vazio e quieta, procure a respiração.
Ajahn Sao

Tudo é construído em alguma base, algum fundamento; e quanto maior e mais sólida a fundação, mais tempo irá perdurar o que é construído e maior alcance ele terá. Da mesma forma, tendo vários 'eus´ de trabalhos  e combiná-los juntos em sequência numa breve oração, permite permanecer na presença por períodos mais longos. E porque este trabalho é sobre o nível das nossas respirações individuais, o que é construído é eterno, porque é fundamentado no mundo real onde estamos, respirando agora.

Subindo a escada um passo após o outro,
chegaremos à extraordinária cidade do Paraíso.
Filocalia
Ron M.




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