terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Como agir com todo o coração?





De fato nós somos fragmentados. Faltando unidade, nos falta a vontade para atingir nossas metas. Os muitos eus não se conhecem uns aos outros, e nós nascemos sem um princípio organizador central para nossas vidas.



Agindo com o coração apenas parcialmente não se chega na majestade.
Você partiu em busca de Deus, mas então você continua parando
por longos períodos em lugares mesquinhos.
Rumi



Mas os centros superiores vem a nós e deixam um rastro de um estado mais unificado. Por um momento nós lembramos que os mundos mais elevados existem sempre. Eles nos interpenetram,

mesmo quando nós esquecemos de sua realidade mais grandiosa. A atenção é uma chave. Nos tornamos conscientes de nossa própria atenção, como primeiro passo.



Quando a mente se mantém atenta ao que se está fazendo,
quando se está de todo o coração envolvido,
e quando nada  nos torna desatentos,
 ali é quando se tem conseguido a consciência.
Al-Ghazali





O coração desperta com a atenção consciente prologanda. Quanto mais tempo possamos permanecer despertos, mais aquecido o coração se tornará; quanto mais  prolongada a memória, mais real a lembrança; deste modo o coração se transcende a si próprio.



Se você ama a Deus ´com todo o seu coração, toda a sua mente, com toda a sua força´,
e, lançando-se com sentimento ardente além desde amor, se torna totalmente em chamas,
então Deus é realmente experimentado.
Bernardo de Claraval



Agir com todo o coração na nossa vida espiritual tem muitas dimensões. Nós podemos—com o trabalho—construir um observador e invocar a divisão da atenção a partir dos estados ordinarios em que estamos, mais e mais frequentemente. Esta é uma abordagem que vai de baixo para cima, uma busca pelo Real a partir de um ponto de partida que é relativamente menos real. Aqui nosso trabalho interno é mais ativo: nós fazemos esforços para atrair os estados superiores, e utilizamos técnicas para fazer isso.



O amante nunca se desespera. Para um coração comprometido, tudo é possível.
Rumi



Uma abordagem diferente é liberar conscientemente a nossa própria identidade na face de uma realidade mais elevada. Aqui não nos identificamos com a ausência de estados mais elevados, e não necessitamos de esforços e técnicas para recuperá-los. Em vez disso, colocamos de novo no seu devido lugar a nossa identidade, nosso  "Eu mais Verdadeiro", colocamos ele dentro da realidade mesma de cada momento. Isto pode soar como um atalho, mas na verdade requer um auto-conhecimento e uma longa preparação interna com a ajuda de outras pessoas que conhecem o caminho. Isto envolve a morte de  aquilo que nos levou até aqui para ser nós mesmos.





Querer nada com todo o seu coração, para a corrente.
Buda





O que é agir com todo o coração? Talvez seja entregar nosso coração. Render-se aos nossos estados superiores, em vez de tentar alcançar uma presença que deve ser encontrada e conquistada, e encontrada e conquistada de novo a cada momento. Nós podemos simplesmente dar o nosso coração para a Realidade que nos rodeia; um estado mais elevado, mais ativo, que nos procura ativamente para se juntar com ele e realizar o nosso destino.



A prontidão e compromisso de um homem não são suficientes, se ele não

recebe ajuda de cima;
igualmente, a ajuda de cima não tem nenhum benefício para nós
a não ser que também exista compromisso e prontidão da nossa parte.
João Crisóstomo







Rowena L.




sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Ator Principal e a Criança



Verdadeiramente, apenas as criancinhas entrarão no Céu.
Bernard de Clairvaux

O Traço Principal é "a maneira fundamental pela qual as pessoas veem a si mesmas e o mundo, e ele as afeta praticamente em todas as suas ações" (Girard Haven). A palavra fundamental não é escolhida por acaso. Cada um de nós tem um traço principal, uma fraqueza principal, que constitui o eixo em torno do qual gira o nosso ser inferior e sua falsa imagem de quem somos. Nós não estamos falando da fachada de alguns aqui, de alguma excentricidade ou brilhante ornamento em nossa projeção psicológica. Nós estamos falando sobre a profunda estrutura subjacente, a fundação básica, as paredes principais de apoio, as vigas e a cola existencial do ser inferior.

O que é importante não é o próprio traço principal, mas o que é produzido por ele,
e que você pode estudar na forma das atitudes.
PD Ouspensky

O Traço Principal é a característica  que é muitas vezes determinada por nosso tipo de corpo—este, um estudo separado em si mesmo. Mas, em linhas gerais, esta característica determina como vemos o que é mais e menos importante, o que é para ser admirado na vida, como vemos os que supostamente são mais fracos ou mais fortes do que nós, como reagimos em situações diferentes, se buscarmos ou evitamos o confronto, ou se  queremos ser o centro das atenções, o que desencadeia nossas emoções negativas favoritas, e assim por diante. É a nossa atitude emocional em relação a nós mesmos, o modo fundamental com o qual pensamos sobre nós mesmos e a vida. E nós não o vemos porque estamos imersos nele.

Além do traço principal, temos um ou dois outros traços que apoiam e fornecem amortecedores para ele (amortecedores são mecanismos internos que impedem de vermos a verdade sobre nós mesmos). Por exemplo, o traço de ´vagabundo´ (ausência de valores) pode funcionar bem com o traço de medo. Essencialmente, na origem, temos medo de fazer alguma coisa. Mas ao invés de ver essa verdade desagradável em um momento particular, nós escorregamos imperceptivelmente para a atitude subjacente: "Bem, não vale a pena fazer isso, de qualquer maneira."

E para todos nós:

A vaidade é um traço forte em cada pessoa. Se não for o traço principal,
será o segundo traço de todos.
Robert Earl Burton

Qualquer coisa que amortece os objectivos e padrões de nossos traços pode desencadear nossas emoções negativas. Esta é a relação entre os traços e a negatividade: nossas atitudes. Os traços determinam as atitudes, e estas, por sua vez determinam nossas emoções negativas. Quando não conseguimos o que as atitudes querem, ou quando conseguimos o que não querem, a negatividade se seguirá. O que é incrível é que, apesar de usurpar nossas vidas e funções, e o nosso sentimento de nós mesmos, o traço principal  é precisamente o que nós não somos.
O traço principal ocupa o espaço que de direito pertence à lembrança de si.
Robert Earl Burton
Nossa resposta natural a este conhecimento, claro que é ficarmos intrigados; nós imediatamente queremos saber qual é o nosso traço principal. No entanto, mesmo se alguém nos disser, isso pode não ajudar muito. O nome é apenas um rótulo, um mnemônico para um grande país desconhecido. É necessário ver por nós mesmos, através de paciente observação, as ramificações de nossas características, as atitudes que elas determinam, e como estas estão ligadas às nossas respostas automáticas e às emoções negativas favoritas. E assim como Goethe conduziu seu estudo das cores em profunda exaustiva prática, com base na qual ele podia realmente ver com seus próprios olhos é preciso evitar cuidadosamente se perder ao manipular ideias ou tirar conclusões precipitadas. O método de Goethe nos mostra como trabalhar: Observar. Evitar a análise. Manter-se no presente. No trabalho do Quarto Caminho, nós não pensamos e extrapolamos o nosso caminho para o entendimento: tentamos permanecer aqui e agora, vendo, e deixando que a compreensão venha quando vier.

Quando você entra no caminho ... começa a ganhar controle
sobre o seu traço principal. Antes de entrar no caminho,
 o traço principal controla você.
Robert Earl Burton

A primeira etapa do trabalho com os traços é tentar observar e neutralizar as atitudes que se originam a partir deles, as que provocam as emoções negativas recorrentes. Pergunte a si mesmo em meio a uma emoção negativa favorita: "Qual atitude é mais elevada agora?" Sabendo qual atitude está produzindo a negatividade, podemos trabalhar na criação de contra-atitudes -solventes, como Ouspensky as chamou - para dissolver as atitudes destrutivas e reestabelecer a presença.

A consideração externa é um dos melhores remédios para os nossos traços.
Robert Earl Burton

Nós também podemos nos aproximar dos traços por outro ângulo.
Os traços estão muito preocupados com seus próprios objetivos, para conseguir ficar de fora de uma situaçao e ver  o que é o melhor para si mesmo e para o outro. Se o nosso traço de vaidade considera uma pessoa insignificante e não suficientemente importante para ter nossa atenção, temos de fazer um esforço para considerá-la. Se o nosso pretenso modo é forçar tudo (traço de poder), então vamos tentar controlar e manipular os outros a fazerem o que queremos, independentemente de como eles se sentem. Como o traço se manifesta no sono não se pode considerar externamente os outros, então, a consideração externa é uma maravilhosa maneira de deixar entrar luz em nosso mundo interior. O que a outra pessoa precisa? O que esta situação realmente requer?

Conforme o entendimento se aprofunda, nós gradualmente vemos que o traço principal permeia nossos centros como um corante. Esta não é uma peculiaridade menor ou um mau hábito que podemos simplesmente decidir mudar e, num piscar de olhos, ele se vai. Toda a modalidade do nosso pensamento, o tom de nossas reações emocionais, o estilo e as posturas de nossos movimentos, como entramos ou saimos de uma sala, como interagimos com os outros e conduzimos os relacionamentos - cada recesso e rachadura nas manifestações de nossas funções é colorido por nossa característica principal. Ela é o ator principal controlando nossas vidas.

Em certo ponto, ficamos horrorizados com a enormidade da tarefa. O traço principal, como observou Ouspensky, sempre toma  as decisões. A cada momento, estamos tomando decisões, tranquilamente dormitando nos muitos 'eus' - só que não somos nós que tomamos as decisões, é o traço principal.

O traço principal é feroz, insaciável. Se controlamos o traço principal estamos vivos e despertos; e se somos controlados por ele, estamos dormindo e no limbo.
É uma situação de vida ou morte.
Robert Earl Burton

Começamos a nos sentir impotentes, trancados em uma batalha com um inimigo implacável, afogando na tintura da nossa atitude emocional em nós mesmos – e simplesmente não conseguimos ver e nos livrar disso. Curiosamente, é exatamente isso o que Gurdjieff disse a Ouspensky ao falar sobre característica principal:

O estudo da fraqueza principal e a luta contra ela constitui ... o caminho individual de cada homem, mas o objetivo deve ser o mesmo para todos. Este objectivo é a percepção da nulidade de cada um.
G. I. Gurdjieff

Libertar-nos das garras das emoções negativas impulsionadas pelos traços é um importante caminho  para a libertação de nossa essência, que não pode se manifestar e crescer em um ambiente interno negativo. A essência é a ponte fundamental para os centros superiores, para as nossas possibilidades reais. Não é algo de que podemos escapar. E quando nos encontramos lutando com o traço  principal, pode ocorrer uma suave chamada para a nossa essência, o simples sussurro angelico interno da palavra CHILD (Criança), com o seu convite para estarmos abertos à alegria do momento como estão as crianças, um convite para largar a frágil postura dos traços  e amortecedores  e deixar o presente nos inundaresta chamada pode cortar  o absurdo da direção inesperada e elevar o nosso estado. Em vez de confrontar o traço e tentar derrubá-lo, o gentil sussurro Child, habilmente desvia a nossa atenção para um outro plano: descontraído e prazerosamente aberto ao momento. Este é o caminho do homem esperto. Em vez de fortalecer o nosso inimigo brigando com ele no porão do nosso ser - e, assim, tornando-o mais real do que éChild transforma-nos e nos ergue para o telhado onde temos uma visão clara do céu azul.

Essencialmente, a fim de despertar,
deve-se continuar olhando para o alto e não para baixo.

Robert Earl Burton


R.H.