terça-feira, 5 de março de 2013

‘Eus’ de Trabalho



 Quando eu era criança e ia fazer compras com meus pais, as lojas que eu mais gostava eram as de ferramentas especiais. Lembro-me de ver os meus pais irem através das diferentes seções e prateleiras para localizar a exata ferramenta que precisavam. Como o número de ferramentas oferecidas nessas lojas era tão grande, encontrar a ferramenta correta -- aquela que faria o trabalho correto ao invés de retê-lo—era de grande importância. Com o passar do tempo eu assisti este processo que ocorre em outras áreas: localizar o médico certo para o meu filho de uma longa lista de médicos que trabalham na área, escolher a área certa do foco em meus estudos universitários, e assim por diante.
Uma vez que os mesmos processos, quando bem definidos, podem ser observados em diferentes escalas, podemos usá-los para nos ensinar sobre nós mesmos. Podemos começar por analisar o funcionamento de nossas próprias mentes. Quando vemos nossos pensamentos, vemos que eles vêm em um fluxo interminável, com um pensamento após o outro, principalmente por associação. Uma vez que eles quase nunca param, nossa mente é bloqueada ou simplesmente sobrecarregada com eles, e é incapaz de atender à função para a qual foi originalmente projetada: servir ao Ser Superior.

Felizmente, este não é sempre o caso, no entanto, há momentos,  breves lampejos, quando nós experimentamos algo diferente. Por alguma razão, em um momento de alegria ou surpresa ou sofrimento ou nada de especial, conseguimos nos separar desta capa de pensamentos. A experiência é tão penetrante que tentamos encontrar o nosso caminho de volta para aquele momento. Nós não poderíamos desejá-lo ou fazer um esforço para recuperá-lo se não o tivéssemos experimentado antes, e esse fato nos dá energia para continuar tentando. Como podemos criar esses momentos especiais intencionalmente, e fazê-los durar mais tempo?

"... A Largata desceu do cogumelo e arrastou para longe na grama, observando enquanto passava,
`Um lado irá fazê-la crescer, e o outro irá fazê-la diminuir."
`Um lado do QUÊ? O outro lado do QUÊ?’ PensavaAlice consigo mesma.
Do cogumelo’, disse a Lagarta, como se ela tivesse perguntado em voz alta; e já no momento seguinte estava fora da vista."

Lewis Caroll, Alice no País das Maravilhas

Voltando ao fluxo interminável de pensamentos, podemos chamá-lo de os muitos‘eus,’ porque os pensamentos giram em torno de nós mesmos e muitas vezes  dizem ‘eu’ (eu quero, eu preciso, eu deveria ...). Os muitos ‘eus’ em nossa cabeça nos faz ficar "mais curto", como diz a lagarta sabiamente, mais curto no sentido de nos levar mais longe do instante em que estamos no momento, e isso é feito simplesmente tomando o lugar em nós mesmos, onde uma maior consciência pode existir. Felizmente existe o "outro lado" que nos faz ficar mais alto, mais perto da presença. Enquanto estamos nos alimentando do lado errado do cogumelo, pode-se dizer, que repentinamente, vem o desejo de passar para o outro lado, um desejo que pode fazer com que algo aconteça, para que possamos crescer mais e mais alto, elevando acima das árvores, até que possamos finalmente ver o que está ao nosso redor.

"Quando eu digo vacas kosher (alimento permitido) quero dizer bons pensamentos, e quando eu digo vacas não-kosher (alimento não permitido) quero dizer maus pensamentos."
Rabino Nachman de Breslav

Escolas esotéricas nos ensinam a ter bons pensamentos, pensamentos destinados a separar o nosso ser superior dos muitos eus’. Estes pensamentos são chamados eus’ de trabalho. Enquanto os muitos ‘eus’ se perpetuam, gerando mais pensamentos, os ‘eus’ de trabalho tem o objetivo oposto. Estes pensamentos “kosher” (legítimos) nos ajudam a parar o fluxo de pensamento, com o objetivo de criar um espaço no qual a consciência possa entrar. Um único ‘eu’ de trabalho, funcionando corretamente, não é egoista e irá criar no momento a necessária separação dos muitos ‘eus’, como um pequeno exército derrotando um exército maior.
A  palavra ‘eu’  é uma palavra curta que nos ajuda a conectar o momento em que estamos, a um mundo maior que circunda nosso pequeno ser. Por exemplo, dizer a nós mesmos Look, quando estamos andando na rua, pode limpar muitos pensamentos, que estão velando nossa visão  naquele momento. Outro exemplo é Hear, quando ouvimos música. O objetivo destas palavras é de nós mesmos retornarmos ao momento em que estamos, e nos manter aí até que um próximo ‘eu’ de trabalho seja necessário. Agora a nossa mente está funcionando da maneira que foi projetada para trabalhar, focalizando nossa atenção no presente.

Ao observar nossos ‘eus’, aprendemos a distinguir uma grande diferença entre os ‘eus’ de trabalho e os milhares de outros pensamentos que simplesmente nos ocorrem. Quando não temos conhecimento de nós mesmos, os muitos ‘eus’ parecem muito reais, no entanto, quando ativamente dirigimos nossa atenção a um ‘eu’, de trabalho, já estamos em um estado diferente, e é esse estado que precisa ser apoiado e prolongado.
Um ‘eu’ de trabalho é uma ferramenta precisa que nos é dada para construir a consciência, o que nos permite ter um vislumbre do momento, um sopro do despertar. À medida que ganhamos experiência  podemos coletar um conjunto desseseus’ especiais que vai se adequar a cada momento ou atividade em nossas vidas diárias, e podemos nos treinar a apresentá-los quando o desejo de estar presente surgir. Lentamente, enchemos uma caixa de ferramentas que podemos levar conosco sempre e em toda parte, usando a ferramenta certa quando necessário e colocando-a de lado quando sua função estiver concluída.

"Gostaria de abandonar tudo que eu posso pensar, e escolher como
meu amor a única coisa que eu não posso pensar,
pois Deus pode ser amado, mas não pode ser pensado. "

A Nuvem do Desconhecido
Ron M